terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pertence

Como poderia algo me pertencer
Quando sequer a mim eu pertenço?

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mente brilhante inexplosiva embalsama-se em seu egoísmo

A grandeza de sua mágoa plurifica-se a cada supernova coitada

Nem sequer uma penumbra escapará à sua prisão circular

Assim que à toda renovação este novo buraco-negro enfim sugar

O Corvocida - Parte 1

Naquele fim de mundo onde fui me enfiar, era raríssimo que fizesse vento pela noite (coisa de um ou dois por cento de chance), e bastava observar a formação das nuvens para detectar uma possível ventania.  Sempre achei isso ótimo para um lenhador solitário como eu, pois gostava de pendurar meus bonecos de madeira debaixo da quina do telhado. Com o vento, ficavam emaranhados e vez que outra uma forca se rasgava, fazendo algum deles despencar.

Ontem, porém, percebi que foi contando com esse inimigo elemental que fiz uma enorme cagada.

Despojei-me de minha pequena casa na pacata cidade para então vir morar pouco depois da ponte do rio Karkasse - onde, ao seu redor, situa-se uma pequena vila - há aproximadamente duas semanas. Trouxe comigo todos os mantimentos necessários; ferramentas, comida suficiente até encontrar caça, madeira, roupas, higiene, foto de uma boceta (que levo sempre na parte de trás do meu Marlboro branco steel), freezer de isopor gigante, isqueiro e até minha punheteira de caça, com estojo de balas e tudo o mais. No primeiro dia de chegada, a primeira coisa que fiz - depois de montar acampamento, é claro, e também esvaziar o caminhão - foi arar o chão e começar minha horta. E é óbvio que plantei uma cacetada de milho, porque sou viciado nessa merda.

Pois bem, voltando ao ocorrido de ontem. Fui dormir feliz da vida, meu milho tava quase pipocando e eu já podia ver uma espiga se enchendo de beleza e vontade de virar sopa. Estava quase pronto pra ir dormir, quando ouvi uma barulheira danada vinda lá de cima, quase do céu. Corvos, saquei na hora. peguei minha punheteira, mas depois decidi trocar por um estilingue que eu tinha feito pra brincar de machucar pássaros. Escolhi as maiores pedras pra pegar os bichos desgraçados em cheio no crânio. Barulho excessivo lá fora, grunhidos, berros agudos e som de asas se debatendo. Abri a janela pra dar uma espiadela. Devia haver uns cem corvos espalhados por toda minha plantação. Devoravam meu milho, tanto quanto devoravam a si mesmos e uns aos outros. A palavra diabo nunca passou tão forte pela minha cabeça, e ainda por cima era noite de lua cheia. Malditos, pensei.

Saí lá pra fora equipado com o estilingue na mão e uma sacola de pedras na outra. A cada passo que eu dava, os bichos ficavam mais loucos e atiçados. Foi no que eu preparei uma pedra que um par deles voou direto na minha mão, arrancando numa sangrenta e aérea disputa minha única arma. Olhei pra onde tinham voado aquele desgraçado casal de corvos, e vi o estilingue, mas gozei mesmo quando avistei meu machado a meio caminho. Corri até ele, narrado por berros ensurdecedores vindos de todos os corvos. Não havia um sequer em silêncio, parecia que lhes dava prazer berrar enquanto destruíam minha plantação. Catei o machado, e aquilo me fez sentir como um deus romano.

Fui de encontro aos que estavam na plantação, girando o machado no ar e vez que outra atropelando uma cabeça de corvo perdido no chão. Quando me aproximei da plantação, onde os malditos, para meu desprazer, estavam concentrados em massa, pude sentir um fedor indiscritível, uma mistura de chorume com galinha podre. Fui até aquela espiga por quem me apaixonara perdidamente, aquela que estava prestes a desabrochar, e vi um maldito e gordo corvo terminando de devorá-la. Aquilo pra mim foi demais, foi a gota d'água! Puxei meu machado e fiz-me arco, soltando toda a força que pude colocar no corpo inteiro naquela machadada, mas quando acertei o chão, vi que o maldito corvo já havia se misturado na multidão, e tudo o que cortei foi a espiga, antes linda, agora, feia e devorada por um intruso fedorento.

Depois disso, não lembro muito o que aconteceu, mas sei que giramos, eu e o machado, em meio aos corvos, até que o fedor deles me desligou lá no meio. Acordei com um globo de sangue seco ocupando o lugar da unha do meu dedão direito da mão, no meio da minha plantação que agora fedia tanto quanto eu e os corvos covardes. Vingança, pensei, e voltei pra dentro de casa, e foi aí que fiz a maior merda que podia ter feito pra aguardar a próxima noite: um espantalho.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

"Sonar"

Meu viver oscila e é feito morcego
dorme se afogando
e acorda queimando
Sonar é o mistério que me tira o medo
num rumo bem-vindo
de regresso ungido

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Tempo Rei

Que tantos mares velejei;
Que sou verso no que bem sei;
Que cem mil núpcias terei;
Mas só o tempo é rei.