quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Donovox I

      Donovox acordou.
      Sentiu a energia inundá-lo após uma eternidade de sono. Levantou-se, esticando os braços ao céu enquanto se espreguiçava prazerosamente. Nunca havia se sentido tão bem.
      Nem pudera; era a primeira vez que acordava, talvez soubesse bem disso. Não houve tempo para questionar por que ou para qual motivo enfim despertara do seu sono. As lembranças de seus sonhos o atingiram com um turbilhão de sentimentos. Preenchiam-no tanto quanto esta nova energia, chamada, ele bem lembrava, de realidade. Um elixir pelo qual ele muito trabalhou, horas, dias, talvez meses, na penumbra imaginativa que era o surf em sua mente.
      Decidiu interromper os vislumbres do passado e logo agarrou as rédeas daquela novidade. Vida, pensou, e estremeceu. O que faria¿ Estaria seguro¿ Desde que havia adormecido – se é que já não nascera em um estágio de sonolência – sonhara com seres como ele. Diziam-se “dos seus”, ele lembrou. Certa vez em um de seus sonhos, ao falar com uma árvore ela lhe dissera que não era um dos seus. Ele ficara envergonhado, mas ela apenas sorrira em seu posto.
      Agora, estava desperto. Este era o momento pelo qual mais temia, porém, ansiava. Olhou ao redor e reconheceu o que lembrava ser uma rocha. Parecia suculenta, então, ele correu até ela. Ou tentou correr. Levantou para dar o passo de largada, sua perna direita flexionou tão veloz quanto dobrou-se novamente, trazendo uma sensação de formigamento e logo perda de controle. Caiu com o joelho direito sob a barriga e viu que logo bateria seu rosto contra aquilo que lembrava ser chamado de grama, verde e brilhante e iluminada por algo muito claro que, algumas vezes, em seus sonhos pairava sobre todos dos seus.
      Voltando à queda, pôs suas mãos para frente num instinto de proteger sua face, mas ao invés de chocar as palmas contra o solo brilhoso, suas mãos foram engolidas, logo seus cotovelos, braços e, por fim, sua cara.
      Donovox caía.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

De gato, sapato e uivo.

Cansei dessas pobres gatunas
Me sorrindo, enfiando holofotes!
Me olhando, feito eu fosse espelho
Pra maquiar suas caretas torpes!

Tenho nojo dessas oriundas
Elogio seria chamá-las putas!
Gatinhas, ronronando, miando
Dou carinho, elas bicam — e se mandam!

Eu que me achava por felino
Dou vazão agora a meus caninos!
A fúria tornou a ser meu brado
E estou imune a miaus fiados!

Pois a alma de gato escarlate
Ora Deus! Que porra, que baque!
Era apenas um grande ultraje
Disfarçando soturnos enlaces!

Sou lobo, solitário e faminto
Sou só, tão sozinho! — Não minto.
Mas não torno a matar minha fome
Roendo tripas corruptas e podres!