segunda-feira, 20 de junho de 2016

The Killing Moon

Tinha as mãos de enfermeira
Porém, esculpidas para o prazer.
As palavras e os gestos
Traduções do prezar da amizade infantil.
O pequeno seio, embora marítimo
Era repleto de amor fraternal.
À minha presença
Portava-se desvergonhosa, natural, feito uma irmã.

As portas, sempre abertas ao me acolher.
O habitat, prenúncio da gama extensa
Da fauna
Da flora
De sentimentos animalescos que, no entanto, viravam chicletes.
Mascava-se a dor
Para aliviar o gosto das mentiras
Que parasitavam minha garganta.

Tinha a teimosia de Peter Pan
A qual enfrentava em nível mútuo, duelo sangrento
Com sua maturidade circular, oca
Desprovida de arsenais em matéria
Criada em pântanos labirínticos
Onde tudo era nada
E nada
Menos ainda.

Ensinou-me a chorar
E por tal eu chorei quando sequer lágrima restava.
Inseriu-me a dor da eternidade
Já habitada, por seus fantasmas
Com dos quais o assombro lhe dava fruto ao gozo
De sua vaidade que queimava.
Seu fogo, insaciável
Apenas pela fonte a qual jurou amar —
Minha sincera, límpida
Nascente.

Tinha uma tristeza programada
Sociopatia congênita
Que me aniquilava
Em cada novo ciclo lunar.
Todas suas sensações buscavam novas platéias.
Ela, ventríloco.
Eu, boneco.

Reduziu-me a cada dia
Com suas estrelas cadentes e cometas secretos.
Passei de astro a molécula
Dissipado, chegou minha hora
Dei-lhe um último beijo
À testa
Recolhi meus átomos
E fui embora.

Mas houve, ali, algo de muito bom.
E, alojado em mim
Certo peso
Uma passiva, latente esperança:
Saberei o que é
Outrora.

Strange Phenomena



Engraçado. Pensar em coisas que podem estar acontecendo, sem qualquer pretensão de realidade.
É engraçado pensar que, em algum lugar aleatório da cidade, alguém cogita a idéia de confessar seu amor, àquela pessoa que faz seus nervos aflorarem, feito pequenos vulcões hesitantes, a cada segundo.
Cômico, aquele sujeito, nalgum lugar do bairro que, para fugir do tédio, pegou um restinho de álcool e despejou num pano, agora polindo seu revólver, como um atleta olímpico pole uma velha e simbólica medalha.
Nalguma árvore dos arredores do bairro, um passarinho está prestes a dar o pulo de sua vida: aprender ou morrer.
Numa casa qualquer aqui na rua, um casal enfadonho está vivendo uma das transas mais sem graça de suas vidas.
Nos telhados da vizinha, quem sabe, há um gato castrado à procura de um par, só para descobrir que, muito provavelmente, não haverá qualquer conquista. Ou talvez esteja apenas exercendo seu posto de rei da colina, afastando outros machos betas.
Acima do forro que cobre algum teto, um imenso viveiro de cupins abusa da falta de predadores locais para procriar e devorar a madeira, deixando um excesso de dejetos pelo caminho.
É hilário – talvez não tanto – que, no jardim, as formigas tenham atualizado sua rota apenas pela nova presença do cheiro que habita os lixos da cozinha, as cascas de frutas no aterro de adubo, ou a semente de butiá que, feito milagre, caiu da árvore, totalmente deslocada de época.
Na Europa, algumas moças tentam se adequar à nova rotina de se entregar para homens que sequer conhecem, pois esta é a forma mais segura de se manterem vivas.
Há talvez algum alienígena que saiba tudo o que se passa dentro de nossas cabeças, emitindo sinfonias alternadas como seu melhor passatempo voyeur.
Ali, num bueiro qualquer, baratas dormem tranquilamente.
E lá, bem longe daquilo que a região nos permite conhecer, uma família desconhecida pratica um ritual de paz, entoando cânticos coordenados sem a necessidade de um líder.

We raise our hats
To the strange
Phenomena.

Ódio

Sua flexibilidade tão perfeita e de máscara impecável;
A forma como pisam umas nas outras,
colecionando chicletes de estórias e fábulas
embaixo dos sapatos cíclicos da memória turva;
A maneira como acreditam em tudo,
achando-se implacavelmente sagazes pela não reflexão;
O regozijo que há em brincar de Deus,
e/ou tirar fotos bajulando a cruz jesuítica;
O ego;
O jeito que cada deslize torna-se estopim do rancor,
enquanto as boas ações de pouco servem -
satisfazem o agora,
egotizam o amanhã,
revelam-se insolentes para com os defeitos do próximo;
Sua incapacidade de digerir um problema,
vomitando mais dois, quatro, oitocentos;
Suas implosões de sarcasmo,
quando à frente de algo que não querem entender;
Pestes que disseminam por alimentar os pombos,
fazer vista grossa aos ratos e banalizar os mendigos;
Suas mentiras opcionais, fardos intencionais,
pressões descarregadas em quem mais lhes almeja;
Suas táticas de guerra e suas guerras;
Suas nações, paixões,
rojões que buscam pés alheios com data de validade;
Seu semblante pálido sempre que a memória agride;

Ah, as pessoas!
Quando não as amo,
é por pouco que não as odeio todas.