- Aí vão os nomes: Dylan, Ernesto e Boca.
- E como fica a sua situação? Não espera que eu passe a mão na sua cabeça apenas pelo fato de ter-vo concedido autoridade líder.
Pensei por alguns segundos, cabisbaixo. Não é bom olhar os coordenadores diretamente a seus olhos, isto é, quando se está pensando. Devoram expressões faciais e logo estão a devorar o cérebro. Quanto à missão, não foram erros tão graves, porém, impediram um desfecho perfeito, objeto desejável por qualquer mercenário.
- Eu fui o organizador da incursão, assumo, mas esta foi apenas caso secundário. O principal objetivo foi verificar potenciais para qualquer alvo posterior e mais sério. Quis aproveitar a oportunidade, pelo senhor concedida, para iniciar meu arsenal de contatos. Espero não ter sido audacioso demais.
- De forma alguma. Começo, inclusive, a reconhecer-vo uma faísca de genuinidade. Mas detalhe, agora, os aguabaixos.
-Certo.
Respirei breve porém profundamente. Resumi:
- Boca sucumbiu à persuasão do anfitrião logo de cara. Ernesto saiu de fininho durante a pressão da oratória. Por fim, Dylan é um sujeito muito violento. Não soube engolir o orgulho e quase esbofeteou um segurança durante a saída.
- Por qual razão?
- Nossa deixa procedeu forçadamente. Os seguranças nos guiavam com leves empurrões, cuja satisfação não havia. Dylan estourou e quase jogou seu punho na cara do grandão. Por sorte, eu estava do seu lado esquerdo, e ele é canhoto. Fiquei atento ao denso humor do compatrício e segurei-lhe o braço na hora exata.
O coordenador Roger fechou seus olhos e computou algo complexo, penso que calculava a diferença entre o que eu já havia dito e o que acabara de informar. Fiquei admirando a sua capacidade mental, sem perder, é claro, meu olhar responsável e presente. Passados alguns segundos, levantou pálpebras e indagou firme:
- Qual o seu grau de responsabilidade em cada falha?
Tomei ar de inocência com seriedade. Sempre me saí muito bem concluindo dessa forma. Apesar de ter certa intimidade com Roger, também funcionava.
- Bem, quanto a Boca, realmente não houve algum. Treinei sua oratória durante três sessões de seis horas cada, uma por dia. Em todas, a introdução se fazia por ressaltar a sua importância na missão, cavando fundo para dizimar sua covardia. Penso que o calor da hora tenha feito-lhe perder um bocado de iniciativa, já que o receptor soltou um blefe moral logo de cara.
Fiz uma breve pausa, a qual Roger logo reconheceu como natural.
- Prossiga.
- Ernesto mostrou-se um bocado preguiçoso durante o treinamento. Os demais recrutas chegavam sempre no horário, e alguns até faziam hora-extra sempre que eu estava disponível. Mas Ernesto...
- O senhor deveria ter acionado o processo extintor.
- Sim, perdão. Eu solicitei a permissão para adicioná-lo à lista, porém o Carrasco disse estar ocupado demais e, creio eu, inventou uma burocracia qualquer como desculpa. Além do mais, decidi não tomar soluções extremas sem a sua autorização, coordenador Roger. Tentei resolver a questão por mim mesmo, mas falhei ao treinar Ernesto. Me perdoe.
- Falarei com o Carrasco sobre o assunto, e também falarei com Boca.
Pestanejei, seguido por uma levíssima pausa de Roger. Ele prosseguiu:
- Acredito que um pouco de contra-violência lhes faça retomar a razão. O senhor está dispensado, Luna II. Apesar deste pequeno erro, vou creditá-lo como líder para a próxima missão, devido a seu grande talento para com o treinamento dos demais. Retorne ao seu escritório e redija o relatório completo para o Mor. Em prol de minha confiança, concederei-vo minha assinatura sem revisar.
- Obrigado coordenador Roger.
Acenei-lhe com a cabeça e saí do quarto. Roger sacou na hora que o Boca foi apenas um curinga, mas preferiu não mencionar a questão comigo, talvez o fizesse posteriormente.
Enquanto voltava para o meu escritório, olhava apercebido para as paredes. Em tons de carmesim, harmonizavam com os grandes lustres horizontais, tão confortante era a luz alaranjada que deles emanava. Não havia, neste belo e curto percurso, forma alguma de evitar as pesadas reflexões sobre tudo que ocorrera nos últimos dez anos. O mundo girou, virou, mudou para um relógio.
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