quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
O Corvocida - Parte 2
Chapéu de palha que nunca usei; Cinco cabos de vassoura, quatro pro tronco e um pros braços, amarrados por cadarços de tênis que eu guardava há anos, com a sábia certeza de que, um dia, serviriam pra alguma coisa; Uma camiseta, meu xodó, que eu usava (e nunca lavava) pra limpar a porra das minhas punhetas, quando estava no clima de fazer a coisa na cama mesmo; Uns duzentos e cinquenta dentes de alho, que descasquei um a um pensando carinhosamente como se estivesse descascando, na verdade, a cabeça de cada um daqueles queridos corvos, alho por alho, dente por dente (cheguei até a mastigar um ou dois, pensando nas cabecinhas fazendo crack crack, com seus cérebros se tornando meus chicletinhos); Alguns dos meus menos estimados (entre quebrados, feios e mofados) bonequinhos de madeira. Uma regata listrada de verde e vermelho, a qual usei durante os poucos eventos festivos que fui em minha vida, inclusive no casamento do meu irmão com sua prima (que me chupava porque, segundo ela, gostava do "suquinho"); Cerdas de vassoura; Um lençol rasgado; Uma lâmpada.
Pras pernas, amarrei dois cabos de vassoura, paralelamente, depois amarrei um na transversal, pra fazer os braços e, pra me divertir um bocado, quebrei os outros dois cabos batendo contra o peito da perna, viraram quatro, então, amarrei os quatro queném fiz com os das pernas, pra fazer o pescoço. Prendi tudo. Cravei aquela porra na terra, bem fundo, e chutei algumas vezes. Ficou intacto, beleza. Sobrou um pouco de cadarço, então usei pra amarrar as cerdas da vassoura nas pontas do cabo transversal. Fiz, assim, as mãos. Peguei com muito cuidado minha camiseta (tinha um cheiro pútrido mais tenebroso que a tenebrosidade) e estendi ela no chão. Joguei os dentes de alho todos ali. Tive que voltar em casa pra pegar um prendedor e duas sacolas, porque fiquei com nojo, de verdade. Voltei ao milharal. Forrei minhas mãos com as sacolas, respirei fundo, botei o prendedor no nariz e comecei a prender o alho dentro da camiseta, de forma a parecer uma cabeça humana. Era quase impossível. Eu podia sentir o cheiro de porra apodrecida misturado com o do alho. Aquilo cheirava pior que a bota mais chulepenta do diabo, e se eu respirava pela boca, sentia um gosto pérfido e ácido, desumano. Poderia afastar um vampiro pra nunca mais voltar ao país. Quase vomitei toda a feijoada do almoço, mas consegui dar um nó maneiro e pendurar aquilo nos cabos de cima. Ainda com o prendedor no nariz, peguei a regata style e preguei no cabo transversal. Lembrei da prima, bons tempos.
Fazia anos desde a última chupada que ela me dera. Ia até o fundo da garganta e depois voltava, mas o melhor era quando ela se afogava. E eu fazia questão de nunca avisar quando tava vindo, sempre pegava ela de surpresa, e ela se engasgava, tossia e depois ficava toda envergonhada, sorrindo queném uma boboca. Aí eu pedia pra ela escovar os dentes, por causa do marido, mas ela sempre ficava mais um pouco com a gelatina na boca. Dizia que era quentinho e mágico, olha que anjinho. Bons tempos mesmo. É uma pena que meu irmão tenha estourado sua barriga com a punheteira cano duplo, logo depois dela contar que o filho "talvez" não fosse dele. Confesso que ele abusava um bocado da coca, mas enfim.
A obra de arte estava quase pronta, agora só faltava um toque de requinte campestre. Peguei o lençol rasgado e fiz uma capa maneira. Pendurei na parte de trás do cabo transversal, e vualá! Ou talvez não. Ainda faltava a lâmpada. Peguei as pilhas e coloquei na base, depois pus a lâmpada bem no centro de todos os cabos, pra dar um destaque enorme. Tirei o prendedor do nariz e as sacolas e, é claro, me afastei pra dar uma boa olhadela naquele novo companheiro que criei.
Decidi chamá-lo Rudolph, em homenagem à rena número um. Fui tomado de uma súbita felicidade, e já não mais me sentia tão só. Aquilo me despertava regozijo tanto quanto o fazia Wilson para o naufragado. Minhas esperanças refloriram dentro deste seco e despudorado coração. Os novos sabugos levariam mais um bom tempo pra crescer no milharal, mas cresceriam, já que, agora, Rudolph estaria lá para eles, assim como Deus está para todos nós. Era tanta alegria, que joguei minhas mãos para o alto e o saudei:
- SEUS FEDORENTOS FILHOS DA PUTA, VEJAM, VEJAM AQUI!!! TEMAM, POIS ESTE É O FILHO DE SANTA CLAUS E PAPAI TOBIAS!!
ESTE É RUDOLPH!!! HAAAAAHAHAHAHAHAH
Por fim, pendurei os bonequinhos de madeira no seu grande e magnífico chapéu de palha. A deformidade de ambos sossegou meu coração, se amariam tanto quanto eu amei criá-los.
Estava pronto, meu espantalho.
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